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Contra os Acadêmicos

Aparentemente, perpassa a academia brasileira, e mais especificamente a academia goiana, um sentimento peculiar. Digo “aparentemente” por influência de um saudoso professor que tive na Universidade, cujo chavão era “muito cuidado ao utilizar esta ou aquela palavra”. Mas também tive outros professores que discordam deste cuidado, dizendo que a polidez é inútil e que se deve “chutar o fundo da gaiola”. Com o cuidado de estar equilibrado entre estes dois lados, por conveniência e com o perdão de meus professores, passo a tratar do assunto principal.

Ciente do clichê que segue, parece-me que hoje, na academia (e quando digo “academia” estou me referindo a todo o universo acadêmico), é necessário ressaltar ad nauseam que nem todo mestre é mestrado e nem todo mestrado é mestre.

Como eu disse: nada de surpreendente até aqui. Porém, ao analisar esta questão mais profundamente, durante o período em que estou exposto a esse ambiente tóxico chamado “academia”, percebi que impera nesta uma hipervalorização da titulação, em detrimento da verdadeira sabedoria. Mais uma vez, nada de novo. Mas fiquemos aqui mais um pouco.

Tive (e ainda tenho) professores com alto grau de escolaridade, como doutorados e pós-doutorados (isto é um juízo de fato, não de valor), como também tive (e tenho) professores de nível regular e/ou baixo, como mestres e graduados. Vi e vejo aulas de professores com nível escolar regular e/ou baixo interessarem genuinamente e motivarem os alunos a permanecer na aula e estudar o conteúdo, enquanto que os doutorados, em algumas vezes, faziam o exato oposto. Isso é, no mínimo, sintomático. Ora, o professor que detém maior conhecimento deveria ser aquele que mais prende a atenção de seu aluno e que mais pode transmitir-lhe alguma informação.
Mas então, como aferir quem detém o maior conhecimento? Pela cátedra que ele ocupa na academia ou pela verossimilhança transmitida por ele? Talvez nenhum destes dois pontos alcance o fim máximo ao qual nos propusemos.

Analisemos estas duas posições: de um lado, a aparente comprovação de sabedoria, imbuída num título; de outro, a aparente sabedoria sem comprovação outra que não seja aquela transmitida através da dialética. A resposta é óbvia.

É fato completamente aferível por qualquer um que se proponha a adquirir um título acadêmico atualmente no Brasil que a banca avaliadora do seu trabalho constitui a primeira barreira. Uma banca possui o poder de acolher ou rejeitar um trabalho com um peso praticamente definitivo. Aqui reside um grande problema. Nem sempre uma banca avaliadora é composta por uma pluralidade de ideias, já que a própria academia não é assim, por motivos que serão explicitados mais à frente. Ora, se a banca possui uma ideologia compartilhada por todos os seus membros, qualquer trabalho que vá contra aquela ideologia poderá ser rejeitado de pronto, sem que sequer adentre ao seu verdadeiro mérito. De maneira semelhante, um trabalho que compartilhe da ideologia da banca poderá ser facilmente acolhido, sem também que se adentre ao seu mérito. Novamente, sintomático. Qualquer um que duvide desta posição, que faça o exame empírico. Submeta dois trabalhos diferentes a uma mesma banca de uma universidade prestigiada e aguarde o resultado. Obviamente, a história muda se a banca for plural, mas não contemos com isto.

Isto explica o que foi dito no início do parágrafo anterior. Uma universidade que só acolhe trabalhos que concordem com a ideologia x ou y forma apenas profissionais que cada vez mais acolherão trabalhos semelhantes, cerceando a pluralidade e homogeneizando o ambiente que menos deveria sê-lo.

No entanto, depois de todo este tempo falando contra os acadêmicos, ainda não chegamos ao cerne do problema: o que deve ser valorizado no ambiente intelectual de um país: a sabedoria aparente ou a verdadeira? Creio que a maioria há de concordar que deve ser a verdadeira. Porém, como aferi-la, então? Isto é possível? Obviamente.

De acordo com o que foi dito em nosso artigo Filosofia e Ideologia, se o conhecimento humano parte de três juízos (de gosto, de valor e de fato) e a tarefa do filósofo é tentar cada vez mais produzir juízos de fato (ou seja, intuir a realidade e dizê-la como ela é e não como ele a percebe), concluímos que a verdadeira sabedoria é justamente esta: dizer a realidade como ela é. Indagamos: qual é a vantagem real de possuir um título sobre uma coisa que não possui correspondência com a realidade? Explicamos: não há vantagem em ser doutorado em teorias que não estão próximas da realidade. Só o fato de ser doutorado “em” algo já é um problema, mas não divaguemos. Você vê por aí muitos doutores em unicórnios ou em estudos “unicornianos”? Claro que não. Creio que nunca tenha visto nenhum! Na realidade humana, até hoje não se encontrou nenhuma evidência empírica plausível ou argumento lógico que fundamente a existência de unicórnios. Logo, ser doutorado em unicórnios é dupla perda de tempo! Sim, estamos afirmando aqui que existem conhecimentos inúteis, reclame com a Lógica.

Dessa forma, não posso deixar de notar que a nossa tarefa, a dos filósofos, tem sido bastante inútil para os acadêmicos contemporâneos. Quantas vezes, ao duvidar de teorias absurdas e que não possuem a menor correspondência com a realidade, eu escutei a seguinte frase, descrente e/ou irritada, em sala de aula: “não aguento mais esse pessoal da Filosofia”.

Como eu disse antes: sintomático. É sintomático ver que a academia está, muitas vezes, fechada para a realidade e mais preocupada em elucubrações abstratas acerca de hipóteses que não possuem qualquer comprovação lógico-empírica do que com a realidade a qual eles afirmam advogar em favor. A crítica feita pelos modernos aos medievais (criadores da universidade, inspirados na academia grega), de que os teólogos se preocupavam com questões aparentemente inúteis sobre anjos, não conseguiu enxergar o caráter ontológico daquelas questões, assim como a academia atual faz. Outro querido professor dizia que, até a Idade Média, tínhamos conhecimento. A partir da Idade Moderna, passamos a ter Teoria do Conhecimento. O homem desistiu de tentar entender a realidade e passou a se preocupar em explicar como se conhece esta realidade. Não que esta questão não seja importante, mas ela é obviamente menos importante do que a primeira.

Assim, só nos resta ir contra esta corrente, que nada soma ao conhecimento, e tentar demonstrar lógica e empiricamente, ao longo de nossa existência, as contradições deste pseudopensamento, cada vez mais com o espírito filosófico a postos para duvidar de tudo aquilo que nos parece querer enganar o ser humano e direcioná-lo para outro caminho que não seja o da virtude, do conhecimento, do esclarecimento e da transcendência.

Aurélio Sampaio Carrilho de Castro Póvoa

24 anos, casado. Natural de Goianésia, atualmente residindo em Goiânia. Vencedor do 1° "Soletrando", no Caldeirão do Huck. Professor de Filosofia e Inglês, discípulo dos gregos e medievais, amante da linguagem e eternamente em busca do Bem Supremo.

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