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Fracasso no ENEM: de quem é a culpa?

Caros leitores,

Açulado pelos recentes números apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), hoje tratarei de um assunto que fez parte da vida de 8.356.215 de jovens e adolescentes brasileiros em 2016, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), contudo darei especial atenção ao desempenho auferido na redação.

Conforme matéria publicada pela repórter da Agência Brasil, Mariana Tokarnia, em 18/01/2017, a presidente do INEP, Maria Inês, afirmou que o desempenho dos alunos que concluíram o ensino médio em 2016 encontra-se estagnado em todas as áreas. “… não conseguimos fazer com que nossos alunos aprendessem mais…” A frase proferida pela eminente presidente já seria mais que suficiente para retratar a situação de falência generalizada do nosso sistema educacional, fato corroborado pelo artigo da jornalista Natália Cancian, publicado na Folha de São Paulo no dia 16/12/2016, no qual o Brasil aparece nas últimas posições do ranking elaborado Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

Segundo o órgão ligado ao Ministério da Educação, a abstenção foi de 30%, ou seja, apenas 5.848.619 candidatos fizeram as provas, dos quais 291.806 zeraram ou tiveram as suas redações anuladas pelos mais diversos motivos. Apenas 77 alunos alcançaram a nota 1000.

Diante dos fatos apresentados, indaga-se: Quem é o responsável pelo fracasso dos alunos no ENEM? Os professores ou os próprios alunos que não se interessam pelos conteúdos? Não sei. Quiçá ambos.

Percebe-se que, na atualidade, o ingresso nas universidades, nomeadamente nas públicas, através da nota obtida no ENEM, exigiu das escolas de ensino fundamental e médio a reestruturação das suas políticas pedagógicas, sobretudo na área de linguagens, visando preparar os seus alunos para redigirem conforme as normas estabelecidas.

Observa-se que o brilhante educador Paulo Freire, já demonstrava essa preocupação ao afirmar que uma formação crítica deve conduzir ao desenvolvimento de cidadãos que sejam capazes de analisar suas realidades social, histórica e cultural, criando possibilidades para transformá-la, conduzindo alunos e professores a uma maior autonomia e emancipação.

Entusiasta da educação e laborando há alguns anos nesse que considero o maior de todos os ofícios, tenho observado que a proposta de redação do ENEM tem a finalidade de avaliar a capacidade do aluno de explorar os conceitos de cidadania. Ao submeter o aluno ao exame, o Ministério da Educação busca saber se a escola realmente está formando cidadãos com capacidade crítico-reflexiva acerca dos problemas contemporâneos.

É de domínio público que a tipologia textual exigida pelo Exame Nacional do Ensino Médio e o dissertativo/argumentativo. Precisa evidenciar que ensinar ao aluno que um texto dissertativo/argumentativo apresenta uma tese ou uma opinião não é o bastante. Não é isso que se espera de um professor. O aluno precisa saber que o é argumentativo porque defende uma tese, uma opinião, e é dissertativo porque se utiliza de explicações para justificá-la. Seu objetivo é, em última análise, convencer ou tentar convencer o leitor, pela apresentação de razões e pela evidência de provas, à luz de um raciocínio coerente e consistente. Tratarei dessa modalidade de redação em outra oportunidade.

Paulo Freire disse que o professor crítico-reflexivo possui como uma de suas grandes características a preocupação com as consequências éticas e morais de suas ações na prática social. O professor de hoje tem o perfil defendido por Freire? Honestamente, creio que embora o aluno tenha a sua parcela de contribuição no fracasso, o ator principal desse enredo é o professor.

Não acredito que podemos creditar toda a responsabilidade na conta do professor. Infelizmente, as escolas públicas ainda não se adequaram às exigências do ENEM, especialmente quanto à redação. O cerne do problema encontra-se na matriz curricular, a qual deve ser revista urgentemente. Os pensadores da educação moderna não podem esquecer que a capacidade de refletir sobre os mais diversos assuntos da modernidade encontra-se intrinsecamente relacionada à qualidade da educação recebida nas séries iniciais. É inegável que a nossa educação é de má qualidade.

A solução para o problema passa, necessariamente, pelo oferecimento de uma formação crítico-reflexiva aos professores, capacitando-os a despertar no aluno a importância da consciência do seu agir na sociedade e no mundo, uma vez que o Exame Nacional exige do aluno a capacidade de questionar e analisar a realidade de forma atilada. Isso é senso crítico.

A metodologia utilizada pelo ENEM exige educadores que sejam verdadeiros mediadores que estimulem a reflexão dos alunos frente às questões sociais. O professor precisa entender que a missão de libertar o aluno do senso comum é sua, estimulando-o a contribuir para a solução das mazelas que assolam a sociedade brasileira. Isso se faz com incentivo à leitura de boas obras, revistas de renome, editoriais dos grandes jornais etc…

É inquestionável que o discente deve estar atento aos acontecimentos do seu tempo, e o papel do educador é estimulá-lo. Tornou-se impossível escrever uma redação nota 1000 sem conhecer a sociedade em que se encontra inserto. Importa ainda ressaltar que além do conhecimento das questões sociais da época em que o Exame Nacional será aplicado, o professor precisa instruir o aluno a observar o que se passa ao seu redor, fazer comparações, tirar conclusões e propor soluções para a problemática. A preparação para o ENEM, sobretudo para a redação, deve começar na 1ª série do ensino médio.

Não podemos nos conformar com o fato de um aluno da 3ª série do ensino médio não saber o que um tópico frasal; não diferenciar tema de tese; confundir fato com opinião; reconhecer o papel do argumento na construção de uma argumentação etc… Enfim, precisamos investir na capacitação dos nossos professores, oferecendo-lhes uma formação crítica-reflexiva visando preparar os nossos jovens e adolescentes para transpor os obstáculos do mundo moderno, o qual se torna cada vez mais competitivo e exigente.

Diney Pereira

Bacharel em Direito e Major da PMGO

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