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Liberdade e moral: uma perspectiva kantiana em relação à atualidade

Aurélio Sampaio Carrilho de Castro Póvoa
Jaqueline Camargo

A conceituação contemporânea do princípio da liberdade é difícil e quase sempre esbarra em grandes empecilhos criados pelo choque entre diferentes pontos de vista. Porém, eventualmente é chamado à discussão um autor alemão conhecido por seu profundo estudo deste e de outros princípios. Immanuel Kant (1724 – 1804) geralmente é associado a diversas teorias sobre o direito, sobre a política, a ética, a moral e demais princípios que regem a vida em sociedade.

Destarte, passemos a observar como Kant conceitua liberdade e tentemos traçar um raciocínio que facilite o esclarecimento do assunto.

À época da publicação de suas obras, em especial a Fundamentação da Metafísica dos Costumes  (1785), o filósofo alemão parecia insatisfeito com o progresso feito no que diz respeito à liberdade e aos outros temas supramencionados até o momento, desde Thomas Hobbes (1588 – 1679) e John Locke (1632 – 1704). Tanto o autoritarismo quanto o utilitarismo incomodavam o filósofo, por suas bases, segundo ele, pouco sólidas e com fins externos, que muitas vezes eliminavam da vida humana seu valor intrínseco.

Assim, para tentar resolver o quebra-cabeça da ética e da moral modernas, Kant desenvolve, em sua obra Crítica da Razão Pura (1781), uma nova forma de compreender a metafísica e lança outro olhar sobre o dualismo criado entre racionalismo e empirismo, e sobre as consequências dessas duas teorias sobre a teoria política em vigor na Europa naquele tempo.

A solução encontrada por Kant foi postular a existência de juízos a priori, ou seja, independentes da experiência, sendo que alguns ele chamou de analíticos e outros de sintéticos. Em primeira instância, os juízos a priori seriam apenas os analíticos, pois os sintéticos dependiam da experiência por sua própria natureza. Ora, não há síntese sem experiência (a posteriori).

Porém, isso afastava a possibilidade de conhecimento daqueles. Assim, Kant parecia ter um problema em suas mãos. Como desenvolver uma forma de observância da ética e da moral que independesse da vontade ou da subjetividade humanas, já que, segundo ele, ambas eram falhas?

Ele propôs, então, a existência de juízos sintéticos a priori, que fundamentariam uma forma de compreender a ética e a moral (mas não só elas) de maneira objetiva, eliminando o caráter volitivo destas, presente até então, sustentando assim, de maneira inexorável, uma ação política baseada no dever e na boa vontade.

Kant preocupou-se com o fato de que, se a ética provém da mera experiência social de convivência e acordo ou contrato, ela não pode sustentar-se de maneira objetiva, já que a vontade poderia subjugá-la, através de relativização e/ou generalização, fazendo-a fundamentar ações que não possam ser tidas como morais. Ora, Kant afirmava que a ética não poderia ter sido produzida em algum momento pela sociedade, pois onde estaria então sua fundamentação indubitável? Como é possível que a ética chegue a todos os humanos se ela não provém de algo universal? Kant expôs, dessa forma, uma velha contradição, ignorada pelos teóricos anteriores a ele.

O filósofo alemão, então, afirma que a ética deve, logicamente, ser derivada de juízos que não dependam da experiência, mas que possam ser conhecidos (sintéticos a priori), pois, se ela está livre desta mácula que é o empírico, ela pode abarcar a todos sem distinção. A ética está presente em nós desde antes da experiência, ela reside em nossa razão. A nossa razão nos leva a agir de maneira ética, pois ela é a maior expressão da moral e da boa vontade.

Então, como agir moralmente? Basta-nos a boa vontade? Toda ação é moral? Kant nega. Ele afirma que a ação deve partir do dever para que seja moral. O dever é a maior, senão a única, medida para aferição da ação moral. Se alguém age contra os próprios princípios e crenças, mas dentro do dever, então esta ação é moral. Onde entra, então, a boa vontade? A boa vontade é o caráter do homem que possui em seu favor toda sorte de ferramentas, tanto naturais quanto criadas pelo homem, como o dinheiro.

A boa vontade seria aquilo que modera o homem e torna universal sua ação: ela é o primeiro passo para o dever. O homem de caráter baseia a maioria de suas ações no dever, indo de encontro ao que falamos no último parágrafo. A boa vontade culmina justamente no imperativo categórico, que é a máxima kantiana para a superação da velha ética. Uma ação tal que produza efeitos universais seria proveniente da boa vontade, baseada no dever e produziria mais deveres, ou seja, ela completaria o ciclo da ética: boa vontade, dever, ação moral.

Neste escopo, Kant entende que o homem é livre. A liberdade, então, provém da completude deste ciclo. O homem só é livre quando age moralmente, estando de acordo com o dever e dotado de boa vontade. Para Kant, a liberdade está subordinada a uma ordem à qual os homens não possuem acesso senão através da razão, uma ordem metafísica. Esta ordem, por não residir nem encontrar representação física neste mundo, não pode ser dobrada nem relativizada ou generalizada, dando suporte para a teoria de Kant: O homem é livre quando age de maneira harmônica com a ética.

Diante do exposto, e tomando este por ponto de partida, não é descabido perguntar: O que seria efetivamente a “boa vontade” nos dias atuais? As leis atuais representam um esteio seguro para a ação moral? Somos realmente livres? Porém, outra questão, proveniente desta última, parece descabida: somos livres por seguir uma ordem? Aparentemente, não.

Dentro da perspectiva kantiana, a liberdade que não é subordinada a uma ordem perde seu caráter universal e, por consequência, sua validade enquanto tal. É válido notar que Kant não afirma que a lei, da forma como ela é, representa a totalidade desta ordem. O imperativo categórico entra em cena neste momento. Se as leis atuais são insuficientes, cabe ao indivíduo, então, transcender a suposta ordem das leis humanas em direção a uma ordem superior, de caráter moral, e retornar de lá com novas leis baseadas em premissas universais.

Tal feito é possível de ser realizado? Isso é, no mínimo, questionável, obviamente, mas não é inválido. É necessário que observemos o que nos dizem outros grandes nomes da Filosofia (sob este aspecto, já que nos detivemos nesta) para que se possa oportunizar a dialética e suscitar uma síntese que nos aproxime mais da realidade.

Aurélio Sampaio Carrilho de Castro Póvoa

24 anos, casado. Natural de Goianésia, atualmente residindo em Goiânia. Vencedor do 1° "Soletrando", no Caldeirão do Huck. Professor de Filosofia e Inglês, discípulo dos gregos e medievais, amante da linguagem e eternamente em busca do Bem Supremo.

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