HISTÓRIA INSPIRADORA
5 de abril de 2021

A história de uma goiana indicada ao Prêmio Nobel da Paz; parteira e kalunga que nunca desistiu de lutar em prol de sua comunidade

POR ARIANNE LOPES – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS

Filha de dona Maria e seu Manel, descendente de escravos e nascida na comunidade Kalunga Riachão, localizada à margem direita do Rio Paranã, na Chapada dos Veadeiros, no Norte de Goiás, dona Procópia dos Santos Rosa, de 88 anos, se destaca em meio a tantas contradições. Seus antepassados souberam se esconder muito bem dos brancos, mas ela conseguiu se sobressair. Em 2005, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz pela luta em prol dos territórios e dos direitos dos kalungas.

Dona Procópia fez parte de uma lista de mil mulheres de todo o mundo, e, destas, apenas 52 eram brasileiras. A indicação dela foi anunciada de forma simultânea para 40 países. Criado em 1901 pelo inventor e empresário norueguês Alfred Nobel, o Prêmio Nobel da Paz homenageia homens e mulheres por seus trabalhos na busca da fraternidade entre as nações, fim de conflitos e promoção do diálogo. Entre os ganhadores do prêmio, está o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, “por seus extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre as pessoas”, segundo o Comitê do Nobel.

E foi por causa daquela indicação que ela conheceu São Paulo. Foi a única goiana convidada para o prêmio, ganhando destaque por conseguir impedir a construção de uma barragem, no Rio Paranã, que alagaria boa parte do território kalunga. Nascida no dia 10 de fevereiro de 1933, dona Procópia ainda mora na comunidade que fica a 79 quilômetros do município de Monte Alegre, quase na divisa de Goiás com Tocantins. Rodeado de serras e de difícil acesso, os negros fugitivos acabaram encontrando ali um lugar especial, bom de se morar e esconder, formando, assim, a comunidade kalunga.

Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. E é ali que a matriarca Iaiá, como é chamada, dá aconselhamentos, puxa as rezas, fala sobre plantação e colheitas. De rezadeira a parteira, ela não sabe quantas crianças ajudou a colocar no mundo, mas garante que foram muitas. A experiência fez com os partos tivessem sucesso, graças a sabedoria, orações, chás e remédios caseiros.

SUPERAR, LUTAR E TER FÉ

Tudo o que ela sabe aprendeu com seus antepassados, com a tradição e crença. Não estudou, por isso não sabe ler e nem escrever. Na época, não tinha energia e nem água na comunidade kalunga. “É uma mulher de saberes e fazeres”, afirmou a neta, Lourdes Fernandes de Sousa, de 36 anos, conhecida como Bia Kalunga. Segundo a neta, a avó é uma guerreira que não se rendeu às dificuldades. “Ela lutou e brigou tanto por nosso povo. Ela trouxe água, energia e escola para a comunidade. E ainda enfrentou e mostrou para todos nós que é capaz de superar, sempre”, revelou a neta.

Superar, lutar e ter fé em Deus são coisas que a matriarca nunca deixou de lado. Ela conseguiu, em 2005, levar água e energia para o Riachão. A conquista veio quando ela estava com 72 anos de idade, mas veio. A escola chegou antes, em 1990. Mãe de dois filhos, dona Procópia tem 12 netos, uns 48 bisnetos, 10 tataranetos, e mora sozinha. O marido morreu em 2010, depois de 57 anos de casados. “Não dá pra contar os bisnetos, mas é mais ou menos isso”, disse Bia.